Escritos para você

17
Abr 12
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Ritual por Manu Pombrol

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NO MUNDO HAVIA QUATRO PADRÕES DE TRIBOS, todas coloridas: as dos amarelos, as dos brancos, as dos vermelhos, as dos negros, de tal modo que elas se distribuíam muito distantes umas das outras, o que justificava um certo espanto quando amarelos encontrassem brancos, brancos encontrassem vermelhos, negros encontrassem brancos, amarelos encontrassem…. e assim por diante.

Como tais encontros não se davam todos os dias, quem encontrava alguém de outra tribo ainda acrescentava algumas características às cores e também às qualidades de umas e outras cores e assim foram surgindo os brancos invasores, os negros estranhos, os amarelos china, os vermelhos índios, e mais algumas cores que eram sempre exóticas: os fúcsia, os verdes escuros, os brancos-gelo, os negros-azulados e assim por diante, de tal modo que, depois de um determinado tempo, as qualidades e as cores se casaram entre si.

Não importava muito se as cores em si e as qualidades associadas às primeiras fossem verdadeiras, desde que os membros de cada uma das tribos pudesse jogar seu gamão ou assistir às lutas de MMA quando quisessem. No entanto, em todas as tribos, independentemente das cores, surgiram, mais cedo ou mais tarde os Predestinados, que eram aqueles que tinham encontrado A Palavra.

A Palavra, dita assim e não dito assim, a palavra, eram completamente diferentes. A Palavra queria dizer mais, conferia mais poder àqueles que eventualmente se aproximavam de quem As Pronunciava. Como era necessário proteger A Palavra, conforme os Predestinados diziam, nada mais sensato do que submeter as demais tribos à Palavra. Os Predestinados sempre foram espertos, umas raposas. Enquanto todos brigavam, discutiam, iam para as guerras e sacrificavam inocentes para proteger A Palavra, os Predestinados simplesmente continuavam Dizendo-A.

No entanto, sabiam os Predestinados, que A Palavra não existia assim, sozinha, então foram buscar histórias reais ou inventadas, comentadas ou acreditadas, e utilizaram o Exemplo e A Palavra para difundir suas idéias. Com isso, logo houve seguidores. Os seguidores levavam a Palavra para as demais tribos, não importando qual a cor que tivessem e quais os costumes que tivessem incorporado. A Palavra devia Ser Dita e Seguida. Nem que fosse a Ferro e Fogo.

Realmente alguns foram literalmente queimados pelos seguidores d’A Pa Palavra. Carbonizados, para ser mais exato.

O interessante é que A Palavra se nutria de palavras pacificadoras: vida, solidariedade, amor, paciência, confraternização, fraternidade, e outras que sempre apontavam para o que de melhor em humanidade as tribos de cores diferentes poderiam produzir. Mesmo assim, matavam, estupravam, incendiavam, guerreavam, sacrificavam, baniam, expulsavam, violentavam, violavam, estupidificavam e emburreciam, segundo os seguidores para consagrar as primeiras.

Os seguidores passaram então, como ocorre diuturnamente a interpretar, a comentar, a refazer o que A Palavra lhes significava. A emenda ficou (bem) pior do que o texto inicial. Os seguidores, com letra minúscula, eram os que mais acreditavam na palavra: lhes dissessem qualquer bobagem ou assunto mais importante, não importava. Somente existia verdade na Palavra.

Uma vez que a Palavra não houvesse assegurado, transmitido, dito explícitamente, explicado, o demais não importava aos seguidores, pois esses simplesmente dividiam o mundo em duas partes: o que era dito pelos Predestinados e pela Palavra correspondia a tudo que estivesse certo, adequado, natural, feito para não ser tocado, imantado, incensado, respeitado, e o que não fosse dito pelos Predestinados e pela Palavra correspondia ao que deveria ser subjugado, pois era ignominioso, infiel, triste, melancólico, falso, mequetrefe, inspirado no erro, na abominação. De certo modo, os seguidores eram os mestres da simplificação, pois ou enalteciam ou decepavam. Simples assim.

Nesses tempos, até as bactérias e as briófitas passaram a se espantar.

Mas, aí, as tribos já tinham maiores contatos, e ficou difícil acreditarem somente em Uma Palavra. A Palavra transformou-se em Palavras, o que, na prática, significou que mais pessoas foram literalmente carbonizadas, houve mais guerras e mais inocentes foram sacrificados. Um belo dia, as Palavras resolveram igualmente brigar entre si, e mais gente continuou morrendo, senão pela Palavra, mas pelo Poder que ela representava.

Até hoje há pessoas que brigam pela Palavra, que se resume, no entanto, a uma só: Arrogância.

publicado por blogdobesnos às 03:31

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