Sexy lips, por por Ayelén.
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Não sei se fui traído ou se o fui novamente; na verdade nem sei se fui pela vez primeira, segunda ou terceira, Devo pagar, talvez, o custo da traição sem que sequer tenha a certeza de que realmente o ato, ou o fato aconteceu. Nossas vidas, nossos amores, quando se tratam de trair, podem ser imaginados como linhas falhas, inconclusas. Traímos para fechar um ciclo de amorosidades, mas em alguns casos, mais raros, para não interrompê-lo. Francamente, como um desvio de conduta, talvez, que, em meu entender não implica em uma deserção da paixão. Em se tratando do tema, peguntas não são totalmente abertas, circunstanciais: afinal, traímos por conveniência, tédio, aflição, monotonia, desejo, frivolidade, mágoa ou simplesmente divertimento?
Aqui, me parece, não há muitos espaços para julgamentos éticos e/ou linxamentos pessoais, mas sobra para a hipocrisia, a desídia, a especulação, para o espetaculoso e o ócio rentável das conversas frouxas. Uma amiga me confessou, quinze anos atrás, que a verdadeira traição é a econômica. A ela tanto fazia quanto desfazia se o atraente marido freqüentasse outros leitos, desde que não trouxesse conseqüências danosas para a família. Simplesmente afirmava não se preocupar com isso. Divertimento de adultos, em seu entender pragmático. Ela mesmo já traíra, mas, por falta de prática, quase afundara seu casamento e daí pra frente aprendeu a lição: há momentos para se divertir e locais para tanto, onde a segurança é tão importante quanto o desejo.
Trair pois seria um exercício consentido? Um pouco perigoso, talvez, como aprender manobras de skate sem um professor perito ao lado? E as paixões que possam se solidificar a partir daí? São riscos, mas igualmente calculados. A súmula do traidor é o cálculo. Por mais que ela ou ele se entreguem às delícias do prazer, sempre há um componente que ultrapassa o lúdico, que permeia a auto-estima renovada, que persegue os momentos de intensidade: são os que agudamente perguntam: o que pode acontecer daí? Que conseqüências traria a descoberta da traição? Quando se trai, por mais inconsistente possa ser, o traído é o terceiro que passa a conviver com os sonhos dos amantes.
Não se trata, aqui, de simples mentira, mas, não raro, de um mentir piedoso, de um pesaroso ”lembrar-se de”, isso quando o traído não ocupa praticamente o quadrilátero do leito. Pois não é ali, entre os espaços que prolongam os cafezinhos e as carícias, que revelam-se segredos? não é ali, entre uma curva mais abandonada e uma palavra mais aguda que se contam coisas que estão circunscritas ao leito socialmente reconhecido? Quem mais se importa com isso, com a preservação do outro, se os amantes, nus, já tão bem se conheceram? Quem se importará com os limites do traído, se é justamente a quebra de tais limites que os amantes impuseram a si mesmos, e tanto o fizeram que o gozam em farta exposição?
Quem, em sã consciência, hoje, época em tudo consumista, em que os compromissos são nada mais que sombras e nos quais juras de amor são tão reais quanto as conveniências de um drive in, trataria de preservar algo? Quem, hoje se preserva? Há algum casto na platéia? Já houve? Há, em tudo, mesmo na desagregação e no desagrado, um certo consentimento à traição, com a diferença de que, do mesmo, compartilham homens e mulheres. O compartilhamento atual independe do genero, mesmo porque há a cultura assim o expressa. Homens e mulheres, traiam, ou não. De qualquer modo, como a prática o confirma, o significado não é mais o mesmo do século passado.
Hoje, queiramos ou não, os relacionamentos parecem mais um espaço desavisado, e a falta de sentimentos mais aprofundados nos remete a um irretorquível time-sharing. Tempo de compartilhamento de dúvidas nos quais corpos e sentimentos abandonaram as metáforas e mergulharam de modo tão incisivo no pragmatismo, mesmo a discussão sobre trair ou não nos parece fora de perspectiva. Como alguém que, em comprando Vogue, achasse às tantas páginas perdidas um anúncio do Biotônico Fontoura.