Escritos para você

17
Abr 12
 
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Herói

Sou um herói, e isso me basta. Não necessito nem quero ser um super-herói. Sou filho de Deuses, mas igualmente sou humano, e por isso penso que ser um super-herói é um exagero, quase um sacrilégio. O que é ser um super-herói, senão ser um personagem que não pertence a lugar algum? Meus pais são Deuses, meus vícios são humanos, e parte do que sou é herança divina.

Muitos dizem que sou um mito, que não sou real, porque não me concebem dentro da herança que receberam muito depois que eu conhecesse o mundo inferior e superior. Destruíram nossas verdades, mentiram sobre as vestais, e parece que nada que não seja do Triunvirato merece respeito, como se ele próprio não fosse um mito.

De todo modo, Cronos, o Senhor dos Tempos, nos aponta as portas do mundo. É preciso esperar um pouco mais, o suficiente para que retornemos ao coração dos homens e às suas habitações.

publicado por blogdobesnos às 08:53

 
 
 
 
 
 
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A bola foi alçada por sobre a área, vinda de um cruzamento da ponta esquerda. Perfeita, a parábola encontrou a energia e o ponto exato da cabeçada de Martim, e o gol estava feito.

Ela, a parábola, a matemática perfeita, um elemento sincronizado com a corrida do centroavante, o momento em que o jogador se impulsiona no ar, um instante de comoção em que tudo fica momentaneamente paralisado, aguardando o desfecho, a cabeçada orientada no sentido do gol, o lançamento que preparou a parábola, a certeza do cabeceio para que a bola ultrapasse a linha de gol, tudo isso é visto, acompanhado, observado por milhares de pessoas no estádio. Olhos costuram o momento em que o lateral alça a bola na área, olhos que imitam detectores de movimentos suaves e bem elaborados, mentes que antecipam o prazer da vitória, da glória, do gol. Nada que se compare a isso, nada que seja a tal momento paralelo.

Gol! Gol! Gol! Gol! E assim infinitamente Gol!

Houve uma explosão de alegria no estádio, e parecia que tudo tinha adquirido novas cores. Matar o adversário com um gol aos quarenta e três do segundo tempo era absolutamente diferente de iniciar uma partida já ganhando. A onda de contentamento, de pulos, de gritos, de histeria coletiva espalhou-se. Eu estava lá assistindo, e fui um daqueles que disse palavrões, que berrou, que abraçou-se a quem estava do meu lado. De repente, em um átimo, todos somos iguais, o advogado, o pintor, o executivo, o professor, o pescador, o motorista, as pessoas gordas, bonitas, feias, altas, magras, tudo e nada importa, a não ser o momento mágico de comemorar, de gritar ao mundo o seu orgulho, a sua satisfação, pouco importando o que irá acontecer depois, na vida de cada um dos torcedores. O gol é o momento mágico, e vê-lo, algo que transcende a todas as outras análises da vida regrada, séria, comportada, obrigacional, aquela outra perspectiva que requer reuniões, horários, roupas apropriadas, sínteses, jogos de poder, políticas de alto nível ou de alta pataca.

“Dane-se!” é o que diz o gol vencedor para o resto das vidas chinfrins, acossadas, limitadas em amores, em dinheiro, em compensações e frustrações. É o momento em que o guerreiro, finalmente, sacrifica o seu rival, em que os amantes mais se deliciam e se enroscam, é o instante em que o grito pode dar-se como primal.

Jogos de futebol, ao contrário do que costumamos dizer, não são batalhas, não são guerras, ou se lembram tais eventos, tudo fica no campo da metáfora que, contudo, é interessante, é uma emulação maravilhosa. São onze guerreiros contra os outros, e aqueles são os do timinho, os que estão lá afrontando a nossa capacidade de derrotá-los e, portanto, se expondo aos nossos xingamentos.

Eles, os inimigos querem invadir nossa casa, como estranhos que são. Times adversários são aqueles que querem que não sejamos campeões, que não sejamos os melhores e, portanto, temos o direito de mostrar-lhes que, em nossa casa, mandamos nós.

E se perdermos, bem, são coisas da vida, são as irritantes visitas impróprias, são os mal temperados caprichos do destino, enfim, podemos até achar que o outro time realmente jogou melhor, mas isso só nos faz retornar para uma nova demonstração de que, querendo ou não, os outros são os outros, e nós, os melhores.

publicado por blogdobesnos às 08:51

Fácil, muito tranquilo

 
 
 
 
 
 
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.38 Revolver Target por gahdjun

http://www.flickr.com/search/?q=revolver+38&z=e

 

 

Uns dias atrás, andei matando uma pessoa, mas, no fundo, foi um ato de caridade, afinal a criatura tinha completado 90 anos, e, pra ser bem sincero, ninguém sabia o que fazer com ela. Então um parente distante me contratou e eu fui lá e executei a velhota; sim, era uma mulher, daquelas quase carecas, de cabelo bem branco, mas isso é alta bobagem, pois o que interessa – sempre – é o serviço bem feito. E foi, até porque a mesma sofreu muito pouco, bastou gastar uma bala de revolver, dessas de trinta e oito e – zapt! – foi acabado todo o sofrido sofrimento.

 

Uma semana depois, recebi o pagamento e fiquei feliz, embora mil e trezentos reais não dê pra quase nada. Bom mesmo é matar gente importante, mas o trabalho, aí, muda de figura, pois é preciso muita campana, muito preparo, muita observação e, cá prá nós, nem sempre recompensa. Bom mesmo são esses trabalhinhos fáceis, eventuais, meio free-lancer.

 

A gente tem pouco estresse, vai lá, faz um servicinho bem feito e pronto – nada melhor do que dormir descansado, sem dever nada a ninguém. É encomendar uma morte boa e fim, o resto… só maravilha.

publicado por blogdobesnos às 03:49

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Ritual por Manu Pombrol

http://www.flickr.com/search/?z=e&w=all&q=ritual&m=text

 

NO MUNDO HAVIA QUATRO PADRÕES DE TRIBOS, todas coloridas: as dos amarelos, as dos brancos, as dos vermelhos, as dos negros, de tal modo que elas se distribuíam muito distantes umas das outras, o que justificava um certo espanto quando amarelos encontrassem brancos, brancos encontrassem vermelhos, negros encontrassem brancos, amarelos encontrassem…. e assim por diante.

Como tais encontros não se davam todos os dias, quem encontrava alguém de outra tribo ainda acrescentava algumas características às cores e também às qualidades de umas e outras cores e assim foram surgindo os brancos invasores, os negros estranhos, os amarelos china, os vermelhos índios, e mais algumas cores que eram sempre exóticas: os fúcsia, os verdes escuros, os brancos-gelo, os negros-azulados e assim por diante, de tal modo que, depois de um determinado tempo, as qualidades e as cores se casaram entre si.

Não importava muito se as cores em si e as qualidades associadas às primeiras fossem verdadeiras, desde que os membros de cada uma das tribos pudesse jogar seu gamão ou assistir às lutas de MMA quando quisessem. No entanto, em todas as tribos, independentemente das cores, surgiram, mais cedo ou mais tarde os Predestinados, que eram aqueles que tinham encontrado A Palavra.

A Palavra, dita assim e não dito assim, a palavra, eram completamente diferentes. A Palavra queria dizer mais, conferia mais poder àqueles que eventualmente se aproximavam de quem As Pronunciava. Como era necessário proteger A Palavra, conforme os Predestinados diziam, nada mais sensato do que submeter as demais tribos à Palavra. Os Predestinados sempre foram espertos, umas raposas. Enquanto todos brigavam, discutiam, iam para as guerras e sacrificavam inocentes para proteger A Palavra, os Predestinados simplesmente continuavam Dizendo-A.

No entanto, sabiam os Predestinados, que A Palavra não existia assim, sozinha, então foram buscar histórias reais ou inventadas, comentadas ou acreditadas, e utilizaram o Exemplo e A Palavra para difundir suas idéias. Com isso, logo houve seguidores. Os seguidores levavam a Palavra para as demais tribos, não importando qual a cor que tivessem e quais os costumes que tivessem incorporado. A Palavra devia Ser Dita e Seguida. Nem que fosse a Ferro e Fogo.

Realmente alguns foram literalmente queimados pelos seguidores d’A Pa Palavra. Carbonizados, para ser mais exato.

O interessante é que A Palavra se nutria de palavras pacificadoras: vida, solidariedade, amor, paciência, confraternização, fraternidade, e outras que sempre apontavam para o que de melhor em humanidade as tribos de cores diferentes poderiam produzir. Mesmo assim, matavam, estupravam, incendiavam, guerreavam, sacrificavam, baniam, expulsavam, violentavam, violavam, estupidificavam e emburreciam, segundo os seguidores para consagrar as primeiras.

Os seguidores passaram então, como ocorre diuturnamente a interpretar, a comentar, a refazer o que A Palavra lhes significava. A emenda ficou (bem) pior do que o texto inicial. Os seguidores, com letra minúscula, eram os que mais acreditavam na palavra: lhes dissessem qualquer bobagem ou assunto mais importante, não importava. Somente existia verdade na Palavra.

Uma vez que a Palavra não houvesse assegurado, transmitido, dito explícitamente, explicado, o demais não importava aos seguidores, pois esses simplesmente dividiam o mundo em duas partes: o que era dito pelos Predestinados e pela Palavra correspondia a tudo que estivesse certo, adequado, natural, feito para não ser tocado, imantado, incensado, respeitado, e o que não fosse dito pelos Predestinados e pela Palavra correspondia ao que deveria ser subjugado, pois era ignominioso, infiel, triste, melancólico, falso, mequetrefe, inspirado no erro, na abominação. De certo modo, os seguidores eram os mestres da simplificação, pois ou enalteciam ou decepavam. Simples assim.

Nesses tempos, até as bactérias e as briófitas passaram a se espantar.

Mas, aí, as tribos já tinham maiores contatos, e ficou difícil acreditarem somente em Uma Palavra. A Palavra transformou-se em Palavras, o que, na prática, significou que mais pessoas foram literalmente carbonizadas, houve mais guerras e mais inocentes foram sacrificados. Um belo dia, as Palavras resolveram igualmente brigar entre si, e mais gente continuou morrendo, senão pela Palavra, mas pelo Poder que ela representava.

Até hoje há pessoas que brigam pela Palavra, que se resume, no entanto, a uma só: Arrogância.

publicado por blogdobesnos às 03:31

 
 
 
 
 
 

 

É possível desenhar no céu?

Com aviões, aeroplanos, asas delta,

é possível escrever no céu?

com pára-quedas, com caças

é possível ler as nuvens?

com mísseis, foguetes, helicópteros,

é possível conversar com os céus?

com anjos, arcanjos e querubins,

mesmo com todos os santos que migraram

de homens a santos, e todas as fés

é possível invocar a Graça dos Céus?

Deus mora nos céus, ou sua casa está na mente e corações dos homens?

Onde está a Santidade, nuvem?

Anda, nuvem, responde!

hILTON

publicado por blogdobesnos às 03:07

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SEXY LIPS por Ayelén.

Sexy lips, por por Ayelén.

http://www.flickr.com/search/?q=sexy+lips&z=e

 

 

Não sei se fui traído ou se o fui novamente; na verdade nem sei se fui pela vez primeira, segunda ou terceira, Devo pagar, talvez, o custo da traição sem que sequer tenha a certeza de que realmente o ato, ou o fato aconteceu. Nossas vidas, nossos amores, quando se tratam de trair, podem ser imaginados como linhas falhas, inconclusas. Traímos para fechar um ciclo de amorosidades, mas em alguns casos, mais raros, para não interrompê-lo. Francamente, como um desvio de conduta, talvez, que, em meu entender não implica em uma deserção da paixão. Em se tratando do tema, peguntas não são totalmente abertas, circunstanciais: afinal, traímos por conveniência, tédio, aflição, monotonia, desejo, frivolidade, mágoa ou simplesmente divertimento?  

Aqui, me parece, não há muitos espaços para julgamentos éticos e/ou linxamentos pessoais, mas sobra para a hipocrisia, a desídia, a especulação, para o espetaculoso e o ócio rentável das conversas frouxas. Uma amiga me confessou, quinze anos atrás, que a verdadeira traição é a econômica. A ela tanto fazia quanto desfazia se o atraente marido freqüentasse outros leitos, desde que não trouxesse conseqüências danosas para a família. Simplesmente afirmava não se preocupar com isso. Divertimento de adultos, em seu entender pragmático. Ela mesmo já traíra, mas, por falta de prática, quase afundara seu casamento e daí pra frente aprendeu a lição: há momentos para se divertir e locais para tanto, onde a segurança é tão importante quanto o desejo.  

Trair pois seria um exercício consentido? Um pouco perigoso, talvez, como aprender manobras de skate sem um professor perito ao lado? E as paixões que possam se solidificar a partir daí? São riscos, mas igualmente calculados. A súmula do traidor é o cálculo. Por mais que ela ou ele se entreguem às delícias do prazer, sempre há um componente que ultrapassa o lúdico, que permeia a auto-estima renovada, que persegue os momentos de intensidade: são os que agudamente perguntam: o que pode acontecer daí? Que conseqüências traria a descoberta da traição? Quando se trai, por mais inconsistente possa ser, o traído é o terceiro que passa a conviver com os sonhos dos amantes.  

Não se trata, aqui, de simples mentira, mas, não raro, de um mentir piedoso, de um pesaroso ”lembrar-se de”, isso quando o traído não ocupa praticamente o quadrilátero do leito. Pois não é ali, entre os espaços que prolongam os cafezinhos e as carícias, que revelam-se segredos? não é ali, entre uma curva mais abandonada e uma palavra mais aguda que se contam coisas que estão circunscritas ao leito socialmente reconhecido? Quem mais se importa com isso, com a preservação do outro, se os amantes, nus, já tão bem se conheceram? Quem se importará com os limites do traído, se é justamente a quebra de tais limites que os amantes impuseram a si mesmos, e tanto o fizeram que o gozam em farta exposição?  

Quem, em sã consciência, hoje, época em tudo consumista, em que os compromissos são nada mais que sombras e nos quais juras de amor são tão reais quanto as conveniências de um drive in, trataria de preservar algo? Quem, hoje se preserva? Há algum casto na platéia? Já houve? Há, em tudo, mesmo na desagregação e no desagrado, um certo consentimento à traição, com a diferença de que, do mesmo, compartilham homens e mulheres. O compartilhamento atual independe do genero, mesmo porque há a cultura assim o expressa. Homens e mulheres, traiam, ou não. De qualquer modo, como a prática o confirma, o significado não é mais o mesmo do século passado.  

Hoje, queiramos ou não, os relacionamentos parecem mais um espaço desavisado, e a falta de sentimentos mais aprofundados nos remete a um irretorquível time-sharing. Tempo de compartilhamento de dúvidas nos quais corpos e sentimentos abandonaram as metáforas e mergulharam de modo tão incisivo no pragmatismo, mesmo a discussão sobre trair ou não nos parece fora de perspectiva. Como alguém que, em comprando Vogue, achasse às tantas páginas perdidas um anúncio do Biotônico Fontoura.

publicado por blogdobesnos às 02:15

CONT +! Cinco quadras

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 Morte do vizinho por Guilherme Kramer

Fonte: http://www.flickr.com/search/?q=morte&z=e

 

 

 

Andar cinco quadras para entrar no vácuo, no vazio. Muito distante, como se fosse um oceano, um Himalaia a ser escalado, uma selva a ser desbravada, um tempo a ser consumido, um leque de possibilidades, mas apenas uma certeza. Cinco quadras e muito a ser dito, possivelmente bem mais do que eu gostaria e bem menos do que o necessário; meia quadra já havia sido consumida. Andava lentamente, porque os passos pesavam como chumbo. Temas, assuntos, detalhes, marchas, contramarchas mas, sobretudo, culpa. A tríade de olhos verdes: culpa, responsabilidade e erro. Sempre, todas elas palavras muito densas. Culpa, nossa orientadora mor, moedora emérita de nossos sonhos, a culpa é a proteladora do prazer individual, o motivo pelo qual abrimos mão de nossos desejos, por mais eles nos atormentem. Colocar em um mesmo cadinho a culpa, a responsabilidade e o erro e, daí, sorvê-los cuidadosamente, em doses quase homeopáticas mas constantes ao longo de nossa vida é o caminho mais certo para a mortificação.

Essa foi uma das lições que aprendi ao andar cinco quadras. Durante minha vida, que cada vez mais se encontra à disposição do tempo, como um caleidoscópio, nada me pareceu tão evidente. Foi como se um  insight me atingisse; eu, que havia tanto me dedicado à tríade, iria repartir, compartilhar minha descoberta com quem? Quem haveria de sentar-se comigo, de ouvir-me, de prestar atenção ao que eu poderia dizer? Quem teria a inegável paciencia de me escutar, entre o meu vício tabagista e os vapores de um vinho cabernet?

(Estranho, nesse momento de angústia, me lembrar do sabor de um cabernet, quase como se estivesse em Quaraí, no rigor do inverno com meu pai, comemorando o resultado de uma charqueada. Me transportei, alma, sentidos, de maneira tão rápida que me pareceu ter ouvido a risada clara de meu pai, junto às discreções de minha mãe, enquanto o vento varria tudo, especialmente as consciências políticas, nos deixando sem assunto mas, de certo modo, felizes. Nesses momentos, nada melhor que um cabernet, o pinhão sendo assado no forno à lenha…)

Faltavam duas quadras. Novamente a tríade me envolveu. Para mim, tinha olhos verdes, olhos que, segundo aprendi, são inconfiáveis, traidores… no entanto, Clarice tinha olhos verdes, e me foi fiel desde que a conheci, mesmo quando soube o que eu deliberadamente tentava ocultar, e em um dezesseis de julho, finalmente cansou, extenuada de minhas tolices. ” Vou partir, e não me verás mais”, foi o que disse, e assim foi feito, se foram os olhos que me encantavam, os olhos que desperdicei, o que tinha de melhor e que consegui arrancar de mim mesmo. Uma quadra. O vento varria tudo, o frio ficava por ali, condensando o brilho das lâmpadas a vapor, acompanhadas nostalgicamente por alguns vagalumes, insetos ordinários, e pelo silêncio. Acho que quando morrer, ingressarei em uma camara absolutamente silente, até que a loucura plena me arraste. Tenho comigo que morrer é não escutar o algaravio das crianças, o berro do boi, os murmúrios dos amantes, os barulhos do mundo; morrer é ser engolfado pelo silêncio.

Acabaram-se as quadras, as cinco. Bati à porta, e alguém me atendeu, para que eu pudesse contemplar,  em um caixão, em uma mortalha, os olhos castanhos de minha filha que me esperavam, mortos, translúcidos, olhos de peixe, sem esperança. Quando entrei, algo deixou de existir. Desolado, suando a transpiração úmida da escuridão, entrei. “Escute!”, pensei mas não disse “Alguém gritou algo na rua!”, mas não entendi o que havia sido gritado. Parei um pouco dentro da casa, meus pés já haviam abandonado completamente a velha soleira. Quando dei por conta, o mundo sumiu.

publicado por blogdobesnos às 01:49

Mente

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MENTE CONFUNDIDA por ºPache_Kondeº

Fonte: http://www.flickr.com/search/?q=mente

 

 

Várias poesias, textos completos, fragmentos de ficção foram brotando em minha alma, em meus desejos, e assim me inundaram a boca, o cérebro, a mente, as mãos, os polegares de palavras, de sentidos, de sentimentos, de signos, de revelações, de mistérios e de proposições, até que minha língua afiada percebeu que seria impossível colocar todo aquele caos dentro de qualquer mínima tentativa de organização. Os parênteses, as vírgulas, as pontuações, as geografias do corpo, da ilusão, das lembranças, das expectativas, das metáforas e das sinonimias passaram a pesar sob meus ombros de tal modo que sequer dali poderia brotar um mero adjetivo. Livros e receitas trespassavam as minhas orelhas, opúsculos me sufocavam e minhas unhas eram nada mais do que recipientes vorazes de notas de rodapé. Intolerante, da minha boca e da minha garganta eram expulsos estoicismos, meros discursos. Caí.

Acordei, não sei se dias ou horas depois. Em minha frente, o farmaceutico indicava mezinhas milagrosas; também, com ar adequadamente compungido, ali estava o padre Rogério, que, tendo vindo para oficiar minha extrema unção, espantou-se quando retornei à consciência e, para não perder a viagem, iniciou uma desbragada litania. Do farmacêutico bebi a mezinha e suas recomendações de anilina e do pároco sorvi, ávido, suas prédicas, mas nem uma nem outra melhoraram meu estado de espírito. Dentro de mim, palavras, expressões, frases inteiras explodiam sem cessar, conforme percebes claramente, ó pá, talvez amanhã, depois do café as coisas melhorem, teleféricos, tenaz, televisão, telefone, te amo e a trágica letra “t”, assim mesmo, com asteriscos, agora estou me perdendo em tal profusão de maios, abris e junhos e de meias no aparador central do apartamento, profusão, fim de manhã, indivíduo inválido conexo, dor, dor, dor, pleitosceno, nada a declarar, óbvio, atadura, estou me derretendo, me preste socorro . agora, depois não haverá mais tempo, pois na noite o delírio virá. Be happy, tradução Seja feliz, ironia, descanso. Em minhas pernas o átrio expulsa o que ali descabe, a coceira arde, é hora de, finalmente encontrar a palavra mãe, origem, amor, amor, amor, música, Brahms, Beethowen, Bach, talvez Bee Gees e Buarque, do Chico, finalmente, translúcido e nú, como cenário último e essencia da paixão sou em tudo e em ti, agora, paz.

Os que me assistiram durante o evento, informaram que ora eu me debatia, insano, ora ficava quieto, como se estivesse levemente dormitando; alguns dos poucos que tiveram a coragem suficiente da proximidade disseram que em determinado instante eu entoei o Cantico dos canticos, de David e que não cheguei a fazer feio em Adeste Fidelis. Decerto o espírito de John Francis Wade me suportou nos momentos mais tocantes e sensíveis. No entanto, novamente e subitamente transformado em deformidades, monstro obtuso de mim mesmo, minha situação se tornara absolutamente previsível e, portanto, conflituosa, difícil. Aqui e ali, continuavam suspirando odes enquanto, dos meus cotovelos, anacolutos forçavam passagens.

Seios não são seios, isso é um engano, berravam meus olhos; seios são espaços urdidos entre o que é e o que não é. O desejo evoca fantoches, fantasias, e na verdade luminosa do nosso erotismo evocamos, sim, mamas, mas mamas, especialmente para as mulheres talvez não seja uma palavra mais doce, mais benfazeja, palavra talvez entendida rude, mamas, e que terminam por afastar os entretenimentos buscados da volúpia. Seios complementam-se mais, buscam-se mais, estão eles ali, um ao lado do outro, em geometria espacial, cunhas esféricas, expectantes, sedutores e seduzidos e, aqui, a metáfora dos seios nórdicos, europeus, claros, alvos à luz da lua se concretiza. Mais sabe o poeta sobre as mamas do que ornitologista a respeito dosanimais vertebrados, que põe ovos e possuem penas, asas, bicos córneos e ossos pneumáticos. Sabem mais os poetas e apaixonados a respeito das curvas, da textura, do tamanho e das formas mamários do que sabe o estudioso acerca dos turdus, dos falconiformes e dos scolopacidae.

Pura metafísica comandava meus sonhos desvalidos e minhas conjecturas de pernoite em hotéis de baixa categoria, entornos discutíveis do ponto de vista econômico e moral e serviços talvez um pouco mais adequados do que o desprezível. Sapos e gazelas e ancas, e sapotis me estremeciam a glote. Densa como sopa de amendoas, minha febre me consumia. Sentia-me como um sopro que, expelido pela boca, em seguida perdia a força, consumindo-me a mim próprio, antes mesmo de existir. Se peco, o faço com consciência plena e não me arrependo nem dos solilóquios nem dos advérbios que apertam meu peito como tenazes.

Após longo tempo ressuscitei, meio homem, meio fenix,  em estado de vísceras. Matutando, busquei minha decifração, meu contínuo abecedário, como uma esfinge sem pudores. Meus pelos se eriçavam, mas me desfiz dos mesmos como um ancião se despe de suas vergonhas. Lento, mas de forma decidida, fui assomando à superfície, abandonando meus cântaros de limiares entre consciência e inconsciência. Quando, por fim, relinchos me disseram que era hora de retornar de tantos assombrosos sonhos, bebi meu sangue como se fosse um ritual de total hedonismo e, inchado de propósitos e meações, finalmente vim à lume. Lá fora, o sol prateava.

Ali, onde acordei, havia um teto, quatro paredes, uma porta aberta e a minha respiração. Suei e tornei a suar. Minha garganta me levava, incontinenti, ao deserto de Atacama e minha pele parecia descamar como se eu fora um réptil. Ah, Deus, eu devia ter desistido ali. No entanto, me veio, como lâmina a palavra de Pessoa, e se viver realmente não era preciso, havia a ânsia da navegação. A crise se prolongou muito tempo, o suficiente para que me desejassem extinto, folha jogada pelo vento. Assaltantes de minha família decidiram que eu estaria melhor em um sanatório para doentes mentais, que estava pronto para assomar às grosserias totais da loucura.

No entanto, a canalha tratou de precaver-se e o mais maligno de todos eles pensou no que poderia lucrar com a minha insensata e estúpida alienação. O rei dos canalhas então alcovitou uma ação no Judiciário para, por um lado obter a sentença que me declararia insano, tolo, retardado, néscio, desvalido, incapaz, beócio, tomado de acessos de incontida fúria e palermice para, a partir de tal empresa, buscar ainda ser o meu tutor, o meu reitor, aquele que vivia a tornar-se o bam-bam-bam das minhas riquezas, o finório a amealhar o que, em boa hora, meu pai e minha mãe me deixaram e que, na condição de herdeiro universal havia sido – e bem -herdado.

Sim, além de ser jovem e cheio de predicados e substantivos, também sou detentor, possuidor de fortuna que varia desde papéis negociáveis em bolsas de valores, até prédios e campanários a perder de vista. Meu pai e minha amantíssima mãe, que Deus os tenha no Reino de Sua Glória e Misericordiosa Paixão Amém Amém e Amém, foram muito generosos com este perdido que eu havia me tornado. Tive pais que me legaram uma infância festejada, uma adolescência regada a viagens aos exteriores e colégios judiciosos e de bons reconhecimentos sociais. Durante o breve tempo em que decorrem as primeiras aventuras, folguedos amorosos e mesmo além de tão interessante passagem terrena, tive, provei, lambuzei-me de prazeres os mais indizíveis, os mais luxuosos, os mais luxuriosos, os mais indecentes dentro do que cabia no estreito limite da decência burguesa. Vivi e desfrutei o que me foi possível em tão ternos anos de fortuna, e mesmo assim, não se esgotaram os recursos que me sustentavam nesse mundo tão materialista, tão absolutamente negocial.

Quando, por fim, a inescrupulosa ação interditória ingressou em juízo, capitaneada por um advogado sem moral e  ajustada previamente em conchavos que evoluíram da corrupção até ganhar as alcovas de vosso meritíssimo, além dos compadrios e influências necessárias, julho iniciava entre chuvas e frios enregelantes, como se pudesse anunciar os previsíveis resultados do pleito. Aranhas teciam desde nunca a rede e a tessitura de fios de seda; tigres se acoitavam e avançavam lentamente, parando aqui e ali, farejando-me como eu realmente me dispunha, apetitosa mas imprevisível presa; exércitos de escreventes, escriturários, membros flácidos do ministério público escreviam em laudas o que tinha sido previamente acordado, fazendo o que desde tempos imemoriais se faz, a soldo de tramóias. Desse modo, utilizando o judiciário com letra minúscula, meus parentes, todos eles, assemelhavam-se a carrascos que preparavam laboriosamente a lamina que executaria o espólio de meus bens, enquanto eu me quedava, entre parvo e sonambulo, entre marés de conjunções adversativas e espasmos de pretéritos imperfeitos.

Penso, não sei se me interessa nessa quadra da vida saber se aquinhoei tantos préstimos graças ao tanto que gastava ou em razão de meus talentos inegáveis para as artes; de todo modo, além de ilusões, de desencantos, de febres, de olhares úmidos de luxo, igualmente tais sinais foram acompanhados de miradas da mais pura inveja, mesmo do escárnio, e do mais puro ressentimento que se possa espantosa e espantadamente encontrar, e tudo ali, em minha volta, nos jantares e almoços de finais de semana, na convivência diária com o subreptício, com a triste ignomínia que infecta parentes tão insuportavelmente maus. Inveja, deusa de todas as intrigas, rainha das misérias humanas, mestra da mentira, como pudestes tanto me apunhalar sem que me desse conta, pelo menos para tentar uma vã proteção? Enquanto mais exercitava a boa vida e a exposição que o talento e a fortuna tão bem conduzem, mais se acendiam e radicalizavam as caldeiras do ódio e da tristeza que, vindo de minhas próprias redes parentais buscavam me destruir e acabar de vez com o muito que ainda poderia ser usufruído. De todo modo, quando mais precisei estar atento, minhas armas e braçadas se expunham nuas e desemparadas, no aguardo do desfecho previsível e inalterável.

Eis-me aqui, neste palco de luzes bruxuleantes e arquitetura escassa, cercado de um vácuo opressor. No lusco-fusco da noite, se algo tremia era a escuridão. Meus espectadores, as pessoas com rostos e gestos comedidos, parcimoniosos, quase rituais, apenas me observavam. Não via, então, olhos úmidos de ansiedade, nem de antecipada luxúria ante minha provável nudez. Deixei, então, que minhas roupas se desatassem e depois, que minhas outras nudezas acompanhassem meu último passo de tango, minha última e livre vontade e fui ficando ali mesmo no palco minimalista, acarinhando minha medula e as faces ocultas e assombrosas da minha pele. Ao restar, então em essência, deitei o que restava de mim em um pequeno catre. Estava tão ensimesmado e concentrado em minhas litanias que, se algum dos poucos que acederam ao teatro mambembe e pobre, quase um nada, comentou algo, ou manifestou opinião contrária àquela performance errática, sequer posso afirmar que me veio à consciência. Desprendido do que era, do que sou, do que fui, ingressei lentamente em um mundo que se dissolvia entre nesgas de palavras e sentidos disformes, como se tudo que me viesse à mente e me tocasse de alguma forma o corpo, lembrasse uma densa sopa de castanhas, enquanto um cheiro muito doce de amendoas me invadia os sentidos.

Quase sem me reconhecer, ou a qualquer dos meus pedaços, músicas músicas músicas às dezenas brotaram em meus ouvidos, eu escutava de uma forma tão visceral que era como se tivesse me tornado uma nota, um sibemol, um poço um eco do que eu me tornara, então elas vinham para mim e me tomavam e me dominavam e me convertiam em cordas luminosas  harmonicas, harmonia, história e letras Once upon a time you dressed so fine You threw the bums a dime in your prime, didn’t you? People’d call, say, “Beware doll, you’re bound to fall” You thought they were all kiddin’ you You used to laugh about Everybody that was hangin’ out Now you don’t talk so loud Now you don’t seem so proud About having to be scrounging for your next meal. How does it feel How does it feel To be without a home Like a complete unknown Like a rolling stone? You’ve gone to the finest school all right, Miss Lonely But you know you only used to get juiced in it And nobody has ever taught you how to live on the street And now you find out you’re gonna have to get used to it You said you’d never compromise With the mystery tramp, but now you realize He’s not selling any alibis As you stare into the vacuum of his eyes And ask him do you want to make a deal? How does it feel How does it feel To be on your own With no direction home Like a complete unknown Like a rolling stone? You never turned around to see the frowns on the jugglers and the clowns When they all did tricks for you You never understood that it ain’t no good You shouldn’t let other people get your kicks for you You used to ride on the chrome horse with your diplomat Who carried on his shoulder a Siamese cat Ain’t it hard when you discover that He really wasn’t where it’s at After he took from you everything he could steal. How does it feel How does it feel To be on your own With no direction home Like a complete unknown Like a rolling stone? Princess on the steeple and all the pretty people They’re drinkin’, thinkin’ that they got it made Exchanging all kinds of precious gifts and things But you’d better lift your diamond ring, you’d better pawn it babe You used to be so amused At Napoleon in rags and the language that he used Go to him now, he calls you, you can’t refuse When you got nothing, you got nothing to lose You’re invisible now, you got no secrets to conceal. How does it feel How does it feel To be on your own With no direction home Like a complete unknown Like a rolling stone?

Lá, em algum lugar que não ali, talvez tão mais adiante que jamais pudera suspeitar ouvi, de alguma planície, de algum planalto, de uma casa tão antiga quanto o mundo, de algum catre desconhecido me alcançou, límpido e cristalino, ácido e rutilante, o grito desconhecido mas, de algum modo íntimo: o choro e mais que ele, o sentido da certeza me acudiu ao ver nascer a menina ainda transida de espanto que, rasgando, rascava o ventre de minha avó. Ao ver-me ante tal espanto compreendi, de vez por todas que arrecém testemunhara o sagrado. Ainda mais distante uma camponesa pastoreava ovelhas, o bucólico rural se acordava no ritmo e no ciclo de um enorme e singularmente belo caleidoscópio. O tempo, as estações, as luzes, tudo parecia um tanto quanto irreal, como se efetivamente fossemos, tudo e todos, uma tela de Van Gogh.

publicado por blogdobesnos às 01:40

CPT +! Calor em Porto Alegre

 
 
 
 
 
 
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prostituta por Lesmode

Fonte: http://www.flickr.com/search/?w=all&q=prostituta&m=text

 

 

Calor em Porto Alegre. Muito. Trinta e quatro centígrados, com aquela característica sensação de estarmos em uma sauna a seco. Estou andando perto do Museu de Artes do RS, no centro. Dobro à esquerda, mais na esperança de evitar o sol do que de qualquer outra coisa. Um pouco mais na frente, uma mulher, o protótipo de uma morena bonita estava por ali, falando ao celular.

A hipótese se concretizou, era uma prostituta que logo foi abordada por alguém. Cenas do cotidiano, nada inesperado, nada que não aconteça aos milhares. Passei por ambos, que estavam em uma sessão de negócios, quando notei uma “adolescente”  jogada ao chão,dormindo, parecendo absolutamente drogada. Poderia passar um trator por cima da mesma, e ela nada notaria.

Ela usava uma  blusa, rasgada, na qual um dos seios surgia, não um seio adolescente, não um seio lúbrico, mas o de uma mulher madura. Seu rosto igualmente trazia marcas de devastação social. Durante um bom tempo pensei naquela adolescente. Afinal, como o sistema a classificaria? adolescente, mulher, mãe, pessoa em situação de risco, abusada, enfim… Enquanto me encaminhava para o onibus, o sol queimava. Mas, eu tinha certeza, ela continuava ali, inerte.

Talvez, contudo, a jovem prostituta já tivesse acertado seus serviços profissionais. De todo modo, o mundo prosseguia, com o lento ritmo de sonhos e promessas se derretendo.

publicado por blogdobesnos às 01:29

CON +! A tatuagem se inscreve sobre minhas densidades

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Tattoo Maori Polinésia kirituhi Tatuagem.1.125 por Tatuagem Polinésia - Tattoo Maori

Fonte: http://www.flickr.com/search/?q=tatuagem&page=7

 

 

Corpos, sempre corpos. Gordos, baixos, altos, sensuais, inexpressivos, bem vestidos, nem tanto, sempre corpos. Não me entusiasmo tanto. Não depois de ter lido Bauman e saber que todos os corpos, hoje, são pacotes, são kits de apresentação, de uma forma sutil ou não, cartazes, outdoors on board crossing on the street. Corpos lindos, meios de iniciar fantasias, romances, papéis virgens para tatuagens, escritas de significados para quem são leitores experimentados dessas linhas de encantamento.

Tatuagens são novas escritas, diferentes das rugas que se vão acumulando, dia a dia, na medida em que nossos corpos vão perdendo a flexibilidade, a força, mesmo o entusiasmo. Elas são um escrever de novos sonhos, marcados, inscritos por nossa vontade. Quando nos formos, continuarão ali, integradas até onde nosso perdido metabolismo e nossas habituais degenerescências possam suportar. Há anos escrevi sobre meu próprio corpo, lembranças que não suportaria fossem perdidas pela minha cada vez mais curta memória. Se um dia a segunda se for, as marcas coloridas pelo menos me dirão: “estou aqui, ainda está curioso sobre o porque da minha presença?”

Estou por aí, um homem já maduro, rodando em busca do que fui, percebendo o que virá, atento especialmente ao que deixei plantado por aí, pelas relações que cultivei, pelas que perdi. Às vezes me sinto em um onibus que não sabe mais onde são  as paradas obrigatórias e fica andando de lá para cá, de cá para lá sem muito objetivo. Quando a noite vem, a minha viuvez se torna maior, como uma sombra que se expande quando encontra o sol. As noites são minhas companheiras permanentes, quando sequer a saudade vem me recontar as suas histórias.  Se o sono acorre, e me traz o esquecimento e, de certo modo me entretém, posso ter a certeza de que, no dia seguinte, minha secreta tatuagem continuará me lembrando dos significantes que talvez não devesse nunca esquecer, mas que, muitas vezes por autopiedade, finjo fazê-lo. Às vezes, tatuagens podem ser más. Sem dúvidas, muito más.

Não rodo mais a cidade em busca de corpos. Corpos são isso, fantasias belas que convidam. Nem sempre estou disposto a me deixar levar pelas ilusões. Os corpos que busco são aqueles que trazem marcas de vida,  aqueles que dispensam um photoshop, porque não mais se ocupam com isso. Meus parcos amigos, dos quais a distancia tornou mais ainda ilusória a presença, são apenas vozes, que ecoam nas minhas noites. Eles não tem mais corpos, são somente essencias, momentos de silencios compreensivos, de compartilhares sensíveis, de conversas mais desbragadas. Cada vez que, nesses instantes e nessas ocasiões quero te-los mais perto,  vou ao espelho e olho minha tatuagem. Cada linha, cada traçado em minha pele eu transformei em um acesso até onde possa ou queira arribar. Às vezes penso que fiz bem em confundir minha história com a de meu corpo, e entalhar-me com tal singular escrita. Afinal, árvores são sempre árvores, e se meu prédio me parece tão despersonalizado e se meu apartamento não diz quem eu sou, nada mais interessante do que tal escrevinhar um tanto quanto exótico.

Essa noite, decidi, autosustentarei minha solidão.

publicado por blogdobesnos às 01:18

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