O dicionário me diz que cleptomania é uma doença psicológica, uma compulsão irrestistível que nos faz furtar objetos não valiosos sem necessidade. Não sei qual a sua opinião sobre objetos valiosos, mas normalmente eles são associados ao dinheiro, aos símbolos de poder, a ter acesso a determinados bens ou a impor a sua vontade, seja pela organização, pela violência ou pela culpa. O que está no mercado é o que há de valioso. Então eu fico por aqui, no meu comportamento errático, simplesmente colhendo almas. Não, meu querido leitor(a), embora possa haver um certo engano, não sou a morte, sequer um Don Juan. Romântico, aquele igualmente sugava almas, mas usando a sedução, o envolvimento. Tudo efemero, contudo, tudo com data marcada para terminar. O mito passa a viver após a morte.
Claro que gostaria de ser um personagem ligado aos poderes do amor, do sexo, com pitadas altas de libertinagem. Infelizmente não é o que ocorre. O tempo, embora não me afete, me devolve potes de amargor e de angústia. Sou um migrante. Sinto, menos por vaidade e mais por conveniência, não ser mais atraente. Afinal, a beleza é um ingrediente que me aproximaria mais de minhas vítimas. Nesses dias, ser belo é um distintivo social, um facilitador em um mundo narcisista. A atração, o desejo torna as almas mais dóceis, mais influenciáveis, menos resistentes. Aprendi que o melhor é lidar com pessoas apaixonadas, em depressão, com alto sentimento de culpa, com tristezas infindáveis, com aqueles que vagam em desespero, enfim, com todos que, consciente ou inconscientemente não suportam mais viver. Tomo-lhes as almas como quem sorve um cálice de néctar. Ou de sangue. Facil e rapidamente.
Minhas súditas almas me comprazem, me servem, resgatam a minha autoridade e senhoria. São elas o meu grupo, a minha coesão, o meu exército indizível, a minha legião. Mesmo assim, há aquelas que, para serem tomadas, necessitam que mais eu me concentre; para as mesmas me reservo mais ardiloso, subreptício, esperto, perturbador. Insuflo sonhos de potência, situações confusas, aflições, temores, sentimentos de culpa infundados. E aguardo. Se não as consigo converter ajo como um ladrão experiente; se não posso furtar algo aqui, mais adiante terei minha recompensa. A psicologia dos estudiosos me diz cleptomaníaco. São estranhas as ciências e as sabedorias dos homens, que não reconhecem as forças mais vitais da sua psiquê. Personagens, simplesmente tateiam: descobrem um infortúnio e mais adiante uma invenção.
Miram objetivos tão distantes, sabendo de antemão que não poderão sequer alcançar suas portas; de todo modo, são poucos os que são coerentes, e que se reconhecem dentro de suas fraquezas e limitações. A cada dia mais os sentidos e as conveniências se esgotam, mas eles persistem, muitos já sem alma, sem qualquer outra coisa a fazer senão desistir completamente de tudo que os cerca. Quando alguém renuncia ao que é, abandona a sua própria humanidade ou opta pelo desespero, me sinto convidado. Rastreio suas vidas com a experiência de um perito, e quanto mais aprendo sobre elas, mais as enveneno. Sem dúvida, voltarei depois de um tempo razoável, e as suas almas já estarão clamando pela minha presença.
Tolos, pensam que os libertarei.